O silêncio que grita
a luta das mulheres contra a violência doméstica no acre
Era para ser só mais uma tarde de agressões, de sofrimento e de aceitação que o destino impusera aquela mulher de olhar triste e oprimido. Mas para “Raimunda”, nome fictício que vamos usar para preservar a identidade de nossa entrevistada, uma mulher jovem, cheia de marcas no corpo e na alma, resolveu agir e por um ponto final na vida que o destino havia condenado a vivê-la sem seu consentimento. Raimunda de 38 anos, mãe de 9 filhos, após 19 anos em silêncio, vivendo uma vida conturbada e atormentada, sendo furada com faca, cortada com machado e apanhando todos os dias na frente dos filhos, nos relata como fez para sair do ostracismo da dor e da tristeza de uma vida cansada, estampada em seu rosto:
“Eu passei 19 anos vivendo uma vida de tormento, de agressão, de sofrimento, peguei muitos…é golpes, furada de faca, golpe de machado, tudo isso. Todo dia eu apanhava com meus filhos, na frente dos meus filhos, até que um dia, chegou o dia que eu decidi, já não aguentava mais o sofrimento, aí eu resolvi pedir socorro. “Tava” lá numa tarde, passei amanhã toda na peia, quando foi na tarde, eu decidi ligar pra polícia, pra polícia ir me tirar de lá, aí, só assim que eu me livrei dele, me libertar desse sufoco.” contou a nossa reportagem.

Raimunda é uma dos milhares entre as mulheres acreanas que enfrentam, todos os dias, a violência doméstica. Um problema que ainda mora, silenciosamente, dentro de muitos lares, hoje, ao lado dos filhos em um dos abrigos, mantido pelo Governo do Estado do Acre, enfrenta um futuro incerto, mas com a certeza de que está segura.
A psicóloga, da Casa Abrigo Mãe da Mata, fala a respeito do perfil emocional das mulheres que chegam ao abrigo. “A gente percebe de acordo com o número de mulheres, que nós acolhemos na instituição, é um elevado número de mulheres que tem surgido, pra nós aqui, com transtornos mentais. É situações que envolvem estados depressivos, tentativas e ações suicidas, inclusive no ano passado nós recebemos, e até fizemos uma alerta pra que nesse ano, tivesse uns trabalhos voltados mais pra essa questão psicológica, emocional desse suporte pra essas mulheres’’, comentou. Assim, o medo instalado no corpo dá espaço para a mulher duvidar de si mesma e perder o senso de valor, por não ter condições financeira e nem emocional para sair dessa situação que a consome silenciosamente.

A assistente social, da Casa Abrigo Mãe da Mata, também falou a respeito da importância do assistencialismo para essas mulheres que chegam destruídas emocionalmente e financeiramente. “No primeiro momento a gente faz o acolhimento delas, atendendo-as, entendendo um pouco da situação, o que trouxe elas aqui, e aí a gente vai ver as demandas necessárias, muitas vezes inclusão no aluguel social, inclusão no CaD único né, que é para a solicitação do bolsa família.”
A Casa Abrigo Mãe da Mata, oferece apoio psicológico, jurídico e social e atua há mais de 24 anos, acolhendo mulheres que sofrem todo tipo de violência de quem deveria protegê-las. Entre 2024 e de janeiro a setembro de 2025, foram atendidas 170 mulheres, inclusive, 2 imigrantes, 2 Trans e 7 indígenas como também 174 crianças.
De acordo com os dados do observatório de violência de gênero do Ministério Público do Acre, o número de feminicídio consumado, de 2018 a 2025, somam- se 87 e 158 tentativas contra a mulher. Como nos mostra o gráfico: feminicidometro.mpac.mp.br

Por trás desses números estão tantas mulheres que são silenciadas pelo seu maior cúmplice: o medo.
Foi somente em 7 de agosto de 2006, que surgiu a Lei Maria da Penha, uma das mais conhecidas no mundo no combate à violência contra a mulher como também a criação da Lei do Feminicídio em 2015. Atualmente, o estado do Acre conta com duas delegacias da mulher. Segundo informações da Secretaria da Mulher (SERMULHER), todos os municípios possuem rede de atendimento, pela Lei Maria da Penha, a delegacia Geral de Polícia, Promotoria, Varas, CREAS que podem fazer o atendimento de mulheres vítimas de violência

O Estado vem desenvolvendo por meio da Polícia Militar, o atendimento às mulheres vítimas de violência. A Tenente Coronel Cristiane Soares, Coordenadora da Patrulha Maria da Penha, explica sobre a importância da Patrulha na defesa da mulher. “A Patrulha Maria da Penha, ela atua, principalmente, na defesa das mulheres que são vítimas de violência doméstica, mas também para levar informações para quem não chegou a ser vítima. As ocorrências em si, a gente tem um aumento no número de chamada no 190, do que a gente tinha há alguns anos atrás, mas isso também já reflete a confiança que a população hoje está tendo na polícia”.
Portanto, nem toda agressão deixa marcas físicas. Ela se esconde, silenciosamente, em cada voz enfraquecida por meio de quem não pode gritar, mas o silêncio desta ecoa em toda a sociedade. Todavia, enquanto houver uma mulher sofrendo, a nossa voz não pode ser silenciada.
Se você é vítima de violência doméstica ou conhece alguém nessa situação, denuncie. A ligação para o 180 é gratuita e anônima. Em casos de urgência, ligue 190.
Eu sou Mirley Castro, e esta é uma reportagem sobre as vozes que o silêncio não conseguirá calar.
Por Mirley Castro e Beto Oliveira

Comentários (2)
Lamentavel
8 horas atrásUma matéria que toca e faz refletir. Violência não é amor, é crime.
8 horas atrás